O engenheiro Gonçalo Amaral é vereador da Câmara Municipal da Guarda (CMG) desde 2009. Esta é a conversa que tivemos a 11 de Julho sobre a poluição do rio Noéme. Participou também a engenheira Paula Escalda, da Câmara Municipal da Guarda.
Crónicas do Noéme: Que diligências estão a ser feitas neste momento para resolver o problema do rio Noéme?
Engº Gonçalo Amaral: Tanto o SEPNA como a ARH Norte estão bem informados sobe a questão e noto uma atenção até pessoal do comandante do SEPNA da Guarda para resolver o problema. Isto não é uma prevaricação simples que se resolva com multas. É uma questão de fundo. Estamos a lidar com uma empresa com toda a sensibilidade que isso merece. Apesar da situação económica difícil que vivemos nunca a empresa ameaçou encerrar caso não autorizássemos o despejo do efluente no rio Diz, mas obviamente tentamos dar o nosso apoio à indústria da cidade e se a grande maioria da indústria não é poluidora da água nem do ar neste caso a Sociedade Têxtil Manuel Rodrigues Tavares é um foco de poluição que eu penso que vem de um processo que na altura não terá sido totalmente bem acautelado. Durante muitos anos esta questão foi abordada como bola de pingue-pongue em que a CMG passava a bola para a empresa e a empresa atribuía a bola para a CMG e isso não ajudou a resolver a questão. Felizmente agora, cada um assumindo as suas responsabilidades, todos os organismos estão a trabalhar para o mesmo lado e da parte da CMG está a candidatura feita ao PROVER, porque chumbou o “Ciclo da Água”, para elevar o efluente pré-tratado da fábrica (como sempre ficou esclarecido na licença de utilização desse colector que foi dada a essa empresa que tinha de cumprir o decreto-lei que regulamenta isso; isso também não acontecia e já foi reconhecido pela própria empresa). A CMG vai construir uma estação elevatória com emissário que vai ligar ao nosso sistema de águas residuais junto ao Parque Industrial e será encaminhado para a ETAR de S. Miguel.
Crónicas do Noéme: Em que ano foi permitida a ligação do efluente ao colector municipal?
Engº Gonçalo Amaral: Em 2002.
Crónicas do Noéme: Quem autorizou? A CMG ou a ARH Norte?
Engº Gonçalo Amaral: Na altura não havia a ARH Norte. Era a CCDR que coordenava as linhas de água e o território. A CMG construiu aquele colector para uso exclusivo da fábrica.
Crónicas do Noéme: Porque foi permitida essa ligação do efluente ao rio sem que a infra-estrutura estivesse totalmente concluída?
Engº Gonçalo Amaral: A fábrica estava na zona do Bairro de S. Domingos junto ao rio Diz e era um foco de poluição à moda antiga. A água das lavagens era descarregada directamente no rio. Quando a fábrica mudou de localização assegurou-se através da declaração que deveria cumprir o decreto-lei e que só depois de devidamente tratado deveria ser enviado para o colector o que não se veio a verificar. A responsabilidade da CMG era dar o tratamento final ao efluente como ainda continua a ser. Houve alguns contratempos, nomeadamente nas candidaturas aos fundos e ainda não foi feita a obra. O pré-tratamento iria resolver os problemas da água? Não, nem com o tratamento total a água fica limpa. A ideia é não ser tão agressiva ao meio hídrico. Se tivesse havido pré-tratamento provavelmente o problema iria durar muitos anos mas de forma lenta e não saltaria à vista de ninguém, por isso se calhar ainda bem que o problema aconteceu agora com força para se resolver de uma vez por todas e não ficar esquecido. Efectivamente a CMG tentou junto da empresa ajudar para que que ela se deslocalizasse e construísse instalações com tecnologias mais avançadas, a própria empresa tinha interesse nisso, e a CMG, ao abrigo do programa POLIS com o plano de intervenção para toda aquela zona do rio Diz fez algumas cedências, além do valor da expropriação, para a empresa não ter de suportar sozinha.
Crónicas do Noéme: A infra-estrutura da responsabilidade da CMG e que deverá ser construída (estação elevatória, emissário…) é uma obra complexa?
Engº Gonçalo Amaral: Não é tecnicamente complexa. É uma obra usual em saneamentos mas com alguns custos. Não é uma obra que se possa fazer por adjudicação directa. É uma obra com alguma valia técnica que necessita ser feita por uma empresa especializada e o valor é considerável daí termos uma candidatura ao PROVER no valor de duzentos mil euros que deverá ser aprovado e ter o início das obras este ano.
Crónicas do Noéme: Porque é que os resíduos não vão para a ETAR da PLIE?
Engº Gonçalo Amaral: É mais difícil devido à diferença de cotas e também por causa do dimensionamento previsto para a ETAR da PLIE.
Crónicas do Noéme: A empresa paga alguma taxa pelo uso desse colector?
Engº Gonçalo Amaral: Não posso dar a certeza mas em princípio sim.
Crónicas do Noéme: O que resultou daquela época, dos tempos do POLIS e da construção do Parque Urbano do Rio Diz, foi só a despoluição do rio Diz?
Engª Paula Escalda: Posso garantir que mesmo depois da intervenção do POLIS ainda havia muitos focos poluentes no rio. O rio foi despoluído da nascente até ao parque urbano em 2007. O POLIS fez intervenções no rio na altura devida mas houve umas que foram identificadas mas permaneceram porque iriam requerer obras no sistema de esgotos e em particulares. Isso foi depois tudo feito em 2007.
Crónicas do Noéme: Foi uma pena na altura não se ter resolvido o problema. O parque está óptimo, o rio Diz também, ficou o Noéme poluído.
Engª Paula Escalda: A poluição do rio Noéme vem do rio Diz.
Crónicas do Noéme: Sim, mas a poluição passou da nascente para a foz do rio Diz.
Engº Gonçalo Amaral: Não terá sido essa a razão, transferi-la do início para o fim do ribeiro, mas foi o que aconteceu. Aqui o grande problema é que a ETAR de pré-tratamento nunca terá funcionado em condições.
Crónicas do Noéme: O único foco de poluição neste momento é aquele?
Engª Paula Escalda: Não há grandes dúvidas, nem nunca a própria empresa disse que não eram eles que poluíam. É um tipo de poluição que mesmo visualmente conseguimos identificar é diferente de um curso de água que por exemplo esteja a receber esgotos a céu aberto. Resolvendo aquele problema resolvemos se calhar 90% dos problemas do rio Noéme.
Crónicas do Noéme: A ARH Norte tem pressionado a CMG para resolver o assunto?
Engº Gonçalo Amaral: Sim e daí a CMG ter fixado alguns prazos e estaremos a ter resultados muito em breve. Caso contrário a própria ARH Norte assumirá ela. A CMG não tem como principal competência ser um polícia do ambiente; a nossa principal competência também não é gerir os recursos hídricos do território. Temos obviamente alguma responsabilidade nisto porque o território é nosso e temos de fazer a melhor gestão possível mas realmente a ARH Norte notificou-nos a perguntar como está o caso, o que é que a CMG estava a fazer e que medidas estava a tomar e a CMG deu conta à ARH Norte de todas as medidas que tomou, deu todos os esclarecimentos que ela pediu e deu conta das exigências que fez à empresa que é o outro lado do problema.
Crónicas do Noéme: Foi público, em Dezembro de 2010 saiu um ofício da ARH Norte que proíbia qualquer descarga no rio. Depois disto já houve várias descargas algumas delas públicas também. O que é feito quando isso acontece?
Engº Gonçalo Amaral: Demos conta à ARH Norte que nós próprios identificámos descargas como elas nos pediu. Dentro das limitações dos nossos fiscais e dos nossos técnicos.
Crónicas do Noéme: Portanto a responsabilidade da CMG junto da ARH Norte passa por informar. A CMG está a ser multada?
Engº Gonçalo Amaral: Não. A própria ARH Norte dizia num dos seus ofícios que iria dar conta a quem de direito, com a responsabilidade do licenciamento da empresa, a Secretaria de Estado da Economia.
Crónicas do Noéme: O SEPNA continua a fiscalizar?
Engº Gonçalo Amaral: Sim sem dúvida. Tem estado a colaborar e deverá também reportar à ARH Norte directamente.
Crónicas do Noéme: A CMG recebe os autos de contra-ordenação do SEPNA?
Engº Gonçalo Amaral: Não. Tem conhecimento por vezes informalmente. Não sabemos quantos é que são.
Crónicas do Noéme: Em entrevista neste blogue, o engenheiro Miguel Ferreira, da empresa “Águas do Zêzere e Côa” disse que no final de Junho haveria uma reunião entre as partes para decidir o destino a dar aos efluentes da fábrica. Já se realizou?
Engº Gonçalo Amaral: O prazo terminava em Maio. Se já existiu não tive conhecimento dela, não quero dizer que não tenha existido pois os SMAS são ligeiramente autónomos da CMG.
Crónicas do Noéme: Não está decidido ainda o destino a dar aos efluentes então?
Engº Gonçalo Amaral: Não, não há comunicação oficial disto. Não sei se o SMAS sabe. Segundo sei a ETAR de pré-tratamento não está a ser posta a funcionar em pleno.
Crónicas do Noéme: …a ETAR, propriedade da fábrica têxtil?
Engº Gonçalo Amaral: Sim.
Crónicas do Noéme: Há aldeias com esgotos por tratar a serem lançados no rio Noéme, concretamente nos Galegos e na Gata?
Engº Gonçalo Amaral: Nos Galegos é por fossa séptica que são descarregados regularmente pelo SMAS na ETAR. Na Gata neste momento não sei dizer.
Crónicas do Noéme: Foi feita uma obra recente na Gata que parece ser mais uma canalização para o rio…
Engº Gonçalo Amaral: Pode ser um tubo ladrão. Admitimos que pontualmente haja alguns problemas e haja transvasamentos de alguns efluentes das fossas para os cursos de água, isto não funciona tudo na perfeição. Isto está completamente previsto e nós conseguimos ter sempre um piquete capaz de dar conta destes casos.
Crónicas do Noéme: O problema esteve durante muito tempo fora da agenda. Acontecia e ninguém falava. Estava fora da agenda noticiosa e também estava fora da agenda política à espera que ninguém se queixasse?
Engº Gonçalo Amaral: Posso dizer que desde 2009 está bem dentro da agenda política. Por muito que nós queiramos e por muito que eu próprio diga que tomara todos os concelhos do país estarem em termos de ambiente como a Guarda, também digo que o Noéme é a nossa nódoa negra portanto se é só uma vamos resolvê-la!
Crónicas do Noéme: É contraditório termos duas praias fluviais de bandeira azul e um rio poluído, não é?
Engº Gonçalo Amaral: É verdade. Mas já agora quero introduzir um conceito. A responsabilidade do tratamento dos efluentes está acima de tudo em quem os produz e isso é claro. No entanto há também desigualdades enormes em termos de saneamento porque nós com todo o investimento que temos feito estamos com captações de água em cursos de água muito a montante e pagamos um preço pela água bastante mais elevado do que se calhar se paga em outros municípios a jusante que, entre aspas, beneficiam do bom tratamento que damos aos resíduos nesses cursos de água e não há uma comparticipação nesse esforço para termos um meio ambiente cada vez melhor e para que a água que chega às povoações a jusante esteja em boas condições para ser consumida. Se todos os municípios à beira do Douro pagassem mais um cêntimo por metro cúbico de água e esse cêntimo fosse usado a montante nos sistemas de tratamento de água teríamos um sistema muito mais justo e se calhar mais funcional. Estamos a falar do orçamento do município. Se a CMG gastasse todo o orçamento disponível na área ambiental nós estaríamos ainda melhor e todos os outros concelhos do país iriam beneficiar também com isso, mas é claro que não podemos.
Crónicas do Noéme: É uma questão de estratégia: onde alocar os recursos para obter dividendos… Se investirmos bem na Cultura e no Ambiente e apoiando indústrias destes sectores haverá retorno financeiro. Não se pode dizer que o ambiente da Guarda é bom se qualquer pessoa do país sabe que tem um rio poluído da forma mais básica e rudimentar.
Engº Gonçalo Amaral: Há aqui alguma injustiça entre as bacias do Zêzere e do Mondego e o rio Noéme. Não está esquecido de maneira nenhuma e temos uma política de ambiente muito equitativa. Somos exigentes. Neste momento se a CMG tivesse de pagar duzentos mil euros para resolver o problema do Noéme é claro que os pagaria mas seria um esforço enormíssimo fazê-lo sozinha sem a ajuda dos fundos europeus e é por isso que procuramos comparticipação europeia.
Crónicas do Noéme: Se não surgirem os fundos europeus?
Engº Gonçalo Amaral: O problema grave como existe pode ser resolvido pela empresa cumprindo as suas obrigações e pondo a estação de pré-tratamento a funcionar.
Crónicas do Noéme: Em 2011 é possível começar-se a despoluir o Noéme?
Engº Gonçalo Amaral: Tenho esperança que sim. Aliás se a estação de pré-tratamento da empresa entrar em funcionamento rapidamente penso que já não deveremos ter nem metade dos problemas. Subsistirão e deverão ser resolvidos de uma vez por todas mas penso que já não deveria acontecer o que tem acontecido no passado (aqueles casos agudos, mesmo a descarga em contínuo já não deveria ser tão agressiva). Respeitando aquele decreto-lei dá-nos uma certa garantia que o efluente que sai da estação de pré-tratamento será um efluente com uma carga poluente do calibre de um esgoto doméstico.
Crónicas do Noéme: A CMG não teme que as populações avancem para outas formas de luta, nomeadamente com acções em tribunal?
Engº Gonçalo Amaral: Não tememos de maneira nenhuma. Volto a dizer: o Tribunal não nos vai obrigar a fazer mais do que pensamos fazer hoje. Sabemos as nossas responsabilidades e a parte que a CMG tem de resolver. A abordar isso nesse aspecto englobaria todo o assunto no global e todos os intervenientes seriam chamados a prestar contas. Isto não nos mete medo absolutamente nenhum porque o Tribunal obrigar-nos a construir seja o que for não nos está a alterar planos nenhuns.