Crónicas do Noéme: Ainda vivemos num período de desordenamento caótico?
Prof. Ramiro Neves: Já não acontece tanto. Para além da legislação, o mercado desempenha um papel importante neste processo. Os consumidores são exigentes, seja na compra de uma casa ou de outro produto qualquer. Os produtos têm a informação do modo de fabrico e dos seus componentes e portanto à medida que os consumidores ficam mais esclarecidos, também os produtores têm de melhorar os seus processos sob risco de saírem do circuito.
Crónicas do Noéme: Isso aconteceria numa sociedade ideal… Nessa mesma sociedade ideal, se as autarquias não construíssem as infra-estruturas então os empresários deveriam tomar as medidas necessárias para não causar danos no ambiente. Por um lado teriam ganhos de imagem por serem empresas amigas do ambiente, por outro lado poderiam aumentar os custos de produção ou diminuir margens de lucro. É assim?
Prof. Ramiro Neves: Têm de se tomar medidas contra os incumpridores. À medida que a sociedade portuguesa evolui, são os empresários cumpridores que exigem a aplicação das leis porque senão dá-se o caso de haver concorrência desleal no mercado. Mas há outro ponto ainda: a substância poluente também tem um custo, é matéria-prima. No balanço final, uma empresa eficiente é aquela que consegue produzir com o mínimo de resíduo o máximo de produtos para venda e assim maximizar os lucros. Ora tudo o que vai pelo cano de esgoto é desperdício que também foi pago. Uma fábrica organizada tem vantagens em não poluir. Os empresários que interessam a Portugal são aqueles que encaram a poluição como um custo e neste exemplo, uma forma de minimizar custos é mudar o método de fabrico. Há bastantes fábricas que já o fazem.
Crónicas do Noéme: Em épocas de crise como a que vivemos pode haver a tentação de se fazer a chantagem: “ou é assim ou fechamos e as pessoas vão o desemprego”…
Prof. Ramiro Neves: E é justamente neste ponto que deve entrar o poder público. Este pode ter o papel de penalizador ou pode ser um mediador que ajuda a resolver o problema. Construindo infra-estruturas, patrocinando financiamentos para a mudança de métodos de fabrico… Entre fechar uma fábrica e não tomar nenhuma medida existe um meio termo muito extenso para que todas as partes envolvidas possam trabalhar. Havendo problemas numa fábrica pode-se estudar como outros indústrias semelhantes resolveram os seus problemas e quais as soluções tecnológicas que existem.
Crónicas do Noéme: O Ministério da Economia ainda prevalece sobre o Ministério do Ambiente?
Prof. Ramiro Neves: Essa prevalência é cada vez menor. A agricultura começa a ter maior impacto sobre a qualidade da água dos rios do que a indústria. Há países em que o Ministério da Agricultura foi integrado no Ministério do Ambiente, mas este nunca vai absorver o da Economia.
Crónicas do Noéme: Como é que a agricultura, mesmo de subsistência, pode poluir um rio?
Prof. Ramiro Neves: De duas maneiras: ou pelo uso excessivo de fertilizantes ou através da utilização de pesticidas. Uma agricultura mal feita pode também destruir os solos.
Crónicas do Noéme: Como se reverte este processo?
Prof. Ramiro Neves: Ensinando os agricultores. Por exemplo, veja-se o caso da rega em excesso. Os agricultores pensam que estão a fazer bem, contudo quando se rega em excesso os nutrientes que se colocam no solo são removidos pela água antes de serem absorvidos pelas plantas e em consequência disso são contaminadas as águas subterrâneas e os rios.
Crónicas do Noéme: Há muitos organismos que tratam dos assuntos do Ambiente. As suas funções não se sobrepõem?
Prof. Ramiro Neves: O modelo de gestão não é igual em todos os países. Em Portugal os organismos estão dispersos. Pessoalmente não me choca que os organismos que definem regras não sejam os mesmos que aplicam as multas. A ARH tem um papel de gestão e regulação das entidades que usam a água. Esta entidade deve criar uma relação colaborante com os utilizadores da água.
Crónicas do Noéme: O SEPNA (Brigada do Ambiente da GNR) é responsável pela fiscalização dos crimes contra o ambiente. Porque não aplica coimas, à semelhança do que acontece no trânsito? Não se pode pensar que existem decisões políticas a sobrepor-se a questões judiciais?
Prof. Ramiro Neves: Os procedimentos deveriam ser simples e nessa medida a GNR deveria poder actuar de imediato. Quando os processos são complexos corre-se o risco de não serem levados até ao fim. Há no entanto situações onde não têm competência técnica para actuar e aí devem recolher as provas e entregá-las às entidades.
Crónicas do Noéme: Que dados deve recolher?
Prof. Ramiro Neves: O agente no local deve calçar umas luvas e recolher uma amostra de água do rio onde se suspeita ter havido uma descarga poluente para um frasco. Essa amostra deve ser analisada em laboratório. Neste processo há dois pontos essenciais: a recolha da prova e a outra mais complicada a identificação dos responsáveis. Geralmente há mais do que uma entidade a viver juntos dos rios e por isso quando o rio está poluído numa secção pode ser difícil dizer imediatamente quem foi o poluidor e pode até ser mais do que um. Mas uma coisa é certa: se há poluição, há poluidor.
Crónicas do Noéme: Qualquer laboratório pode analisar essas amostras?
Prof. Ramiro Neves: Sim, desde que certificado. A certificação pode ser ao nível dos métodos usados, das normas empregues para fazer as análises e, dependendo das substâncias, também o pode ser o transporte porque há produtos que se podem degradar entre o momento da colheita e o momento da análise.
Crónicas do Noéme: O custo de ter um bom sistema de tratamento de resíduos é superior ao valor das multas aplicadas?
Prof. Ramiro Neves: Normalmente é muito superior às multas.
Crónicas do Noéme: Então compensa poluir.
Prof. Ramiro Neves: Depende. O que está em causa não é o valor unitário das multas mas a frequência com que é passada. Se for passada muitas vezes a partir de certa altura já não compensa poluir. O Tribunal Europeu multa Portugal quando não aplica uma determinada lei do ambiente. Mas o valor da multa é calculado por dia até que o problema seja resolvido. Uma fábrica ou uma autarquia podem ser multadas por um determinado valor diário até à construção de uma ETAR por exemplo. Essa obra até pode custar 100 vezes mais do que a multa, mas se demorar três meses a ser construída no final já está a perder dinheiro.
Crónicas do Noéme: As populações afectadas devem defender-se apresentando queixas no Tribunal Europeu?
Prof. Ramiro Neves: Possivelmente sim e se calhar até é burocraticamente mais fácil. Devem-se apresentar as queixas junto de quem tem a obrigação de resolver o problema; se persistir deve falar-se com a instância imediatamente acima. Acima das ARHs está o INAC (Instituto Nacional da Água). Esta é a entidade com mais poderes em termos de gestão da água em Portugal.
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