Crónicas do Noéme: Mas se houver fábricas na malha urbana o que fazer então?
Engº. Miguel Ferreira: O regulamento dos fundos comunitários também prevê isso. Se os efluentes produzidos por essas fábricas forem significativos terão de ser pré-tratados para que possam ser descarregados nos colectores com características de efluente doméstico. Isso permite que as ETARs os possam tratar. Como já disse, uma ETAR é uma fábrica que recebe um produto e o transforma noutro. O produto que recebe é esgoto com características conhecidas e o tratamento é feito em função dessas características. Se vier esgoto com outras características a ETAR deixa de poder tratar.
Crónicas do Noéme: Todos os efluentes que chegam à ETAR de S. Miguel ou do Torrão cumprem esses pressupostos?
Engº. Miguel Ferreira: Sim. A ADZC não tem relação directa com as fábricas; a recolha dos efluentes é feita pelo SMAS que posteriormente nos entrega para tratamento. Nós fazemos análises à entrada e podemos detectar logo aí situações anormais. Somos obrigados a controlar o que entra e o que sai. Se houve anomalias à entrada temos de averiguar junto do SMAS o motivo e avaliar se pudemos ajustar o tratamento para aquele efluente. As ETARs domésticas são projectadas para conseguir tratar 15% de efluente de origem industrial.
Crónicas do Noéme: Qual o ponto de situação sobre a ligação dos efluentes da Têxtil Manuel Rodrigues Tavares à ETAR de S. Miguel?
Engº. Miguel Ferreira: Há cerca de 2 meses fomos contactados pelo SMAS da Guarda para avaliarmos a possibilidade de ligação da fábrica à ETAR de S. Miguel e nós pedimos pareceres sobre as características do efluente. Como nos candidatámos a fundos comunitários para fazermos obras de adaptação na ETAR e temos por isso um projectista de uma empresa alemã a trabalhar conosco encaminhámos para ele os dados para estudo. Essa empresa disse-nos que em termos de caudal a ETAR de S. Miguel ainda tem capacidade para receber esse efluente, mas as características físico-químicas do efluente produzido, nomeadamente em termos de azoto, estava acima do limite que podemos tratar. Marcámos uma reunião em que estiveram presentes a Câmara Municipal da Guarda, o SMAS, responsáveis da fábrica e o projectista e apresentámos as conclusões. Foi aceite por todas as partes que o nosso projectista fizesse uma análise técnica do que a fábrica produz e o que nós podemos aceitar; o projectista já enviou quais as características que o efluente da fábrica tem de ter na saída. O pré-tratamento que a fábrica faz não é suficiente e existem agora duas hipóteses: a fábrica faz um pré-tratamento para pôr o efluente com características que permitam o tratamento na ETAR de S. Miguel ou faz ela própria um tratamento que permita descarga no meio receptor. Terão de ser a fábrica e o SMAS a decidir o que fazer. A optarem pela primeira hipótese haverá custos de construção dos emissários elevatórios e gastos energéticos para trazer o efluente para montante. Até ao fim do mês (Junho) marcaremos uma reunião com as partes envolvidas em que o projectista explicará o que fez, quanto custarão à fábrica e ao SMAS uma alternativa e outra e termina aqui a participação da ADZC neste processo. Cabe à fábrica e ao SMAS avaliar os riscos e as vantagens e desvantagens de cada opção. Noto que ambos estão a ser pressionados pela ARH Norte e querem por isso resolver o problema. Neste caso o SMAS não tem qualquer competência para determinar o que se pode descarregar no rio.
Crónicas do Noéme: Porque não se reencaminha o efluente para a ETAR da PLIE?
Engº. Miguel Ferreira: Não consigo dizer porque não conheço a ETAR da PLIE. Não sei o que está lá nem para que é que aquilo foi pensado.
Crónicas do Noéme: Existe o perigo da ETAR de S. Miguel se tornar ineficiente?
Engº. Miguel Ferreira: Se forem cumpridos os limites impostos a ETAR tem possibilidade de tratar o efluente. As indústrias, sejam elas quais forem, têm de cumprir escrupulosamente os limites e vigiar os seus tratamentos. Se as fábricas falharem nos seus pré-tratamentos e chegar aqui algo que está acima das nossas capacidades nós não teremos possibilidade de o tratar. Se as fábricas tratarem como está na licença de descarga não haverá problemas; se não o fizerem então o problema será igual ao que hoje existe. A ARH só fiscaliza quem descarrega no meio receptor.
Crónicas do Noéme: Assim sendo, havendo uma falha no processo a culpa será da ETAR?
Engº. Miguel Ferreira: Vejamos assim: a ETAR tem um cliente único, o SMAS da Guarda. A ADZC faz análises à entrada para saber as características do efluente. Se começarmos a detectar que não é possível ser tratado o efluente que nos chega vamos averiguar o que se passou. Muitas vezes não sabemos qual a origem do problema, outras vezes pelas características do efluente conseguimos determinar a causa.
Crónicas do Noéme: A CMG diz muitas vezes na Comunicação Social que um dos problemas da poluição do rio Noéme tem a ver com o fraco caudal do rio Diz onde descarrega a ETAR de S. Miguel. Não se podendo alterar o caudal do rio, deve-se diminuir o caudal da descarga?
Engº. Miguel Ferreira: O caudal de um rio é uma característica, uma variável do problema. Quando a ARH define uma licença de descarga mede o caudal do rio para a definir. Portanto o caudal do rio só é um problema na fase de definição do limite da licença, após isso não.
Crónicas do Noéme: A poluição do rio Noéme é uma inevitabilidade?
Engº. Miguel Ferreira: A poluição de um rio não é uma inevitabilidade nem é algo desejável. As instâncias comunitárias têm a obrigação de conferir saúde às massas de água e financiou-nos para isso. Existem compromissos, com datas estabelecidas, que se não forem cumpridos Portugal é multado.
Crónicas do Noéme: Portugal, o Município ou o poluidor?
Engº. Miguel Ferreira: Quem recebe a multa é Portugal. O país recebe fundos para tratamento das águas e tem de provar que há resultados positivos. As massas de água estão melhores do que estavam.
Crónicas do Noéme: Se é Portugal que paga, os poluidores podem continuar a fazâ-lo?
Engº. Miguel Ferreira: Se o Estado pagar mas a responsabilidade for de outra entidade então o Estado tem obrigação de multar o poluidor.
Crónicas do Noéme: O rio Noéme desagua no rio Côa. Este abastece de água as populações. A poluição do Noéme pode afectar a qualidade dessa água?
Engº. Miguel Ferreira: Não. O abastecimento de água para consumo é feito a partir de uma captação na barragem do Sabugal. A poluição do rio Noéme poderia afectar a qualidade de uma captação de emergência que a empresa tinha no Porto de S. Miguel no concelho de Almeida e que nós explorámos durante algum tempo. Mas já não utilizamos.
Crónicas do Noéme: A água é o recurso mais valioso, mais caro e cada vez mais escasso. Situações como esta são ainda justificáveis?
Engº. Miguel Ferreira: A água é um recurso valioso mas as pessoas não o percepcionam como tendo grande valia económica e não estão dispostas a pagar muito por ele. É percepcionado como caro mas não é visto como algo que se deva pagar porque é natural. Colocar a água em casa das pessoas ou despoluir o Noéme tem custos associados. As pessoas dizem que a água que se compra no supermercado é barata e a água da torneira é cara. Somando água e tratamento de esgotos nós cobramos 1 euro por metro cúbico (1000 litros), ou seja 0,1 cêntimos por litro. A água do supermercado custa mais que isso. Mas as pessoas percepcionam o contrário… é algo que tem a ver com a maneira como nos relacionamos com a Natureza que é algo puro, imaculado e grátis (mas não é).
Crónicas do Noéme: … agora falou o gestor. E a opinião do cidadão Miguel Ferreira?
Engº. Miguel Ferreira: O cidadão acha que os serviços têm de ser sustentáveis e a qualidade dos meios receptores tem de ser garantida. Na sociedade actual não é justificável haver poluição sob argumento que é caro despoluir.
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