Crónicas do Noéme: Quais as consequências para as populações de um rio poluído?
Prof. Ramiro Neves: Tem  consequências para aqueles que a utilizam para beber, para regar ou  para fins lúdicos. Umas vezes, o prejuízo é quantificável em dinheiro,  outras simplesmente faz perder oportunidades. Um rio poluído  inviabiliza, por exemplo, o ecoturismo. A saúde pública pode ser  quantificada de muitas formas: custos em medicamentos, utilização de  infra-estruturas hospitalares, absentismo ao trabalho…
Crónicas  do Noéme: Um rio poluído com compostos químicos pode causar problemas  de saúde às pessoas que comem por exemplo produtos regados com essa  água?
Prof. Ramiro Neves: No  limite sim, mas as pessoas não bebem água de rios poluídos nem tomam lá  banho. O mais comum é serem contaminados os produtos da agricultura e  por isso não terem a produtividade que deviam. Quando as plantas são  regadas com água contaminada percebem-no e rejeitam-na e por isso deixam  de crescer. As próprias  plantas têm mecanismos de defesa e conseguem seleccionar os compostos  que retiram do solo. O maior problema da rega com água contaminada é a  destruição das plantações e a contaminação dos solos. Mas se por exemplo um caçador apanhar um pato que  ande perto do rio contaminado pode causar problemas à saúde das pessoas.
Crónicas do Noéme: Há tratamentos alternativos às ETARs que se possam fazer para reduzir a poluição?
Prof. Ramiro Neves: Sim,  existem técnicas de “bio-remediação” que podem ser aplicadas mas têm de  ser estudadas caso a caso conforme o rio. Consistem em instalar um  ecossistema que faça algo por nós à semelhança do que acontece nas ETARs  com tratamento secundário e terciário. Geralmente um rio não está  poluído da nascente até à foz, está somente nalguns troços. É nesses  troços mais pequenos que se pode instalar um ecossistema de forma a  criar um mecanismo que melhore a água. A água pode ser melhorada através  da diluição de águas não poluídas ou porque houve bactérias ou plantas  que consumiram os poluentes. O ideal será nunca descarregar um efluente  contaminado no rio mas fazê-lo num lago onde se pudesse fazer esse  tratamento natural. Convenceram-nos que uma ETAR era uma coisa que tinha  de ser feita de pedra e cal. E quem ganhou com isso? Os construtores  civis que as constroem e os produtores de equipamentos que são  caríssimos. Do outro lado há os defensores das eco-tecnologias que podem  fazer o tratamento de águas residuais sem paredes de betão e sem  equipamentos, criando zonas onde os seres vivos podem resolver os  problemas. Pode começar a fazer-se de forma mais ou menos directa em  zonas com aglomerações de pequena dimensão onde não vale a pena investir  em ETARs. Nesses casos podem fazer-se leitos de macrófitas. Põem-se  plantas, entra o esgoto e sai água. As plantas retiraram o material  contaminado e só precisamos de cuidar das plantas. Funciona sobretudo em  pequenos caudais e tem menos custos, é melhor para o ambiente e tem  menos burocracia. A Natureza tem capacidade regenerativa. 
Crónicas do Noéme: Pode criar-se em Portugal um cluster de empresas que podem desenvolver esse tipo de tecnologias?
Prof. Ramiro Neves: Claro  que sim. Existe em Portugal know-how técnico para desenvolver este tipo  de soluções. Cada problema tem uma solução mais adequada, é necessário  deter o conhecimento.
Crónicas do Noéme: Podemos deixar de ter rios poluídos?
Prof. Ramiro Neves: Esse  é o objectivo da Lei da Água. Com o ecossistema natural ou modificado  as pessoas poderão voltar a ver peixes nos seus rios. Um rio é um  ecossistema que recupera relativamente depressa quando eliminamos uma  fonte de poluição. A recuperação vê-se logo no tipo de espécies que  aparecem nos rios e a água volta a ficar transparente.
Crónicas  do Noéme: Parece uma contradição mas no tempo dos nossos avós não havia  tecnologia, não havia saneamento e no entanto os rios estavam limpos e  as pessoas usufruíam deles. Como explica isto?
Prof. Ramiro Neves: Sim  mas tem uma explicação. A poluição consiste no aumento da concentração  dos agentes nocivos no ambiente. No tempo dos nossos avós a concentração  era menor porque a principal fonte de poluição, as pessoas, estavam  dispersas em pequenas aldeias e toda a matéria orgânica era usada os  campos. Na altura o estrume era um recurso, hoje é um problema. A dada  altura as pessoas deslocaram-se para as cidades e começaram a consumir  mais. Através da rede de saneamento todo o esgoto passou a estar  concentrado num único ponto e a descarregar nos rios sem tratamento. O  esforço de construção das redes de saneamento e estações de tratamento  de resíduos demora duas gerações a ser concluído. No tempo dos nossos  avós não havia poluição nos rios porque não havia canos de esgoto; no  tempo dos nossos pais construíram-se as redes de saneamento e  poluíram-se os rios; agora estamos a construir ETARs e a despoluir os  rios. Já passámos pela fase pior.
Crónicas do Noéme: Vamos entregar um bom património à geração seguinte?
Prof. Ramiro Neves: Sim.  Vamos entregar um património muito melhor que aquele que recebemos. A  maior parte do problema já está resolvido porque conseguimos recursos  financeiros para fazer isto. Só os países ricos é que tratam do  ambiente. Os países com menos água potável são sempre os mais pobres.
Crónicas do Noéme: Em termos de ambiente, Portugal é um país pobre, rico ou remediado?
Prof. Ramiro Neves: Portugal  está no clube dos ricos. Se todos os cidadãos do Mundo tivessem o  padrão de consumo dos portugueses este seria insustentável, não haveria  recursos suficientes para todos.
Crónicas do Noéme: Quais os desafios que deixamos à geração seguinte?
  Prof. Ramiro Neves: Criámos  uma sociedade insustentável e o clube dos ricos só vive porque há  pobres que não consomem. Quando estes crescerem e quiserem consumir  também o modelo de sociedade que existe pode implodir. O grande desafio  da geração seguinte vai ser viver numa sociedade mais sustentável em  termos da nossa relação com a Natureza, baixar o padrão de consumo e  conseguir tudo isso sem que comecem todos à estalada uns nos outros.
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