Faz hoje um lindo sol peninsular.
É o dia mais bonito dos deste ano.
Encanta a vista a transparência do ar
E o céu é dum azul napolitano.
Um galho de roseira florescente
Que a aragem faz bater-me na janela
Parece mesmo estar chamando a gente
E oferecer o aroma, os botões dela...
Ergo a vidraça à luz fulgente e ariga,
Colho uma rosa meia aberta e branca
Coloco-a em água numa jarra antiga
E ponho a jarra sobre a minha banca;
Mal na mesa a coloco, dá-se um caso
Que é de gerar o mais estranho enlevo:
A rosa, debruçada sobre o vaso,
Vai perfumando e lendo o que eu escrevo...
Do canto onde trabalho, vê-se o rio,
Através dos chorões curvos das margens,
Seguir pausado, como um rei sóbrio
Por dupla fila de inclinados pagens...
E aquela massa de águas alterosa
É, na doce paisagem, destoante
Como, numa boceta leve e airosa,
Um verso austero do divino Dante;
Porque é um terno idílico tudo o mais,
Porque é tudo o restante ingénuo e ledo
A virginal brancura dos casais,
O verde tenro e novo do arvoredo.
Nas hortas e valados, nos caminhos,
Cruzam-se vozes límpidas cantando,
Vozes de melros no himeneu dos ninhos,
Notas alegres como um vinho brando...
E a ondulação das cearas onde os meus
Olhos alongo, num degrau da serra,
Lembra-me as invisíveis mãos de Deus
Acariciando as produções da terra...
Augusto Gil
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