sexta-feira, 20 de abril de 2018

Sobre a azáfama das últimas semanas

Nas últimas semanas vimos, a nível local e nacional, imagens de governantes de enxada na mão em acções de propaganda a propósito do final do prazo para limpeza das matas (31 de Março). 

Primeiro engano, não se está a fazer em Portugal nenhuma limpeza de matas: estão a limpar-se (e bem!)  terrenos que nunca foram de floresta, estão a proteger-se as aldeias de algo que nunca deveria ter sido permitido e que assim se manteve durante décadas até às tragédias do ano passado.

Segundo engano: a imagem do governante de sobretudo Hugo Boss e sapato engraxado não combina com enxada na mão. O spin politico, criado e desenvolvido no Reino Unido e nos Estados Unidos, chegou ao Sul da Europa sem qualquer critério do que parece bem ou é credível. Foram páginas e páginas de jornais, posts no Facebook e horas de televisão cheias de vergonha alheia que aqui não reproduzo.

Terceiro engano: porventura a intensificação das medidas agora tomadas, algum aperfeiçoamento e consciencialização por parte das populações impeça que se repitam as tragédias do ano passado em termos de vidas humanas, mas não trará mais gente para o Interior, não constitui uma reorganização do território, nem a resolução do flagelo que é o abandono dos campos. Para voltarmos a ter quintais, lameiros e terrenos cultivados à volta das nossas aldeias em vez de mato seria necessário um incentivo à pequena agricultura familiar. Lembremo-nos das palavras e da luta do nosso saudoso Mário Martins.

A maior transformação e destruição da paisagem de que há memória aconteceu numa época em que chegavam os primeiros Fundos Europeus e íamos ser modernos, era Primeiro-Ministro um senhor professor de Finanças chamado Aníbal Cavaco Silva e andava pela Secretaria de Estado da Agricultura e pelo Parlamento um senhor de nome Álvaro Amaro (usava ainda farto bigode) e que hoje aparece a bradar pelo Interior. A Memória é importante.

Nessa altura, as casas ficaram mais próximas da mata, dos pinhos, da "floresta" não porque as aldeias tivessem crescido mas antes porque a Natureza alterada pelo Homem se foi aproximando. Encolheram portanto as nossas aldeias. Uns entusiasmados, outros convencidos, outros ainda resignados e rendidos deixaram que lameiros, quintais, vinhas, terras de centeio fossem ocupadas por pinheiros sem que alguém fiscalizasse ("o que era preciso era metros para plantação") ou obrigasse sequer a que fossem plantadas espécies endógenas. Era preciso que crescessem rápido. 

Voltemos ao presente: o que está a ser feito hoje, e verifica-se um pouco por todo o concelho, é positivo e se consequente, poderá constituir a maior alteração da paisagem e do território desde finais da década de 80. É imperativo que estas medidas cheguem à Floresta propriamente dita, se renove o território com espécies endógenas e se olhe para o campo de forma estratégica e de longo prazo. Caso contrário, ano após ano veremos governantes a posar para a fotografia no Inverno e o País a arder no Verão.

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