segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Noémi: um futuro para este rio (1)

Que Interior?

Sem pretensão de cátedra podemos caracterizar geograficamente Portugal continental como um rectângulo de 650 Km de comprido por 190 Km de largo. Demoramos no máximo duas horas de carro entre a principal fronteira terrestre, Vilar Formoso, e o Atlântico. É um país que tem mais ou menos a meio o seu grande marco orográfico, a Serra da Estrela, ainda assim sem a imponência que outras montanhas na Europa têm. Portugal é um território com várias realidades físicas, sociais e culturais. Sendo uma caixinha tão pequena, sem divisões regionais claras, empurrada de Espanha para o mar, faz sentido falar em Interior?

Há vários Interiores no discurso público: o Interior de que fala muitas vezes a comunicação social é todo o país que sai fora das fronteiras das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Interior, para os políticos em campanha eleitoral, é aquele sítio recôndito que prometem desenvolver e potenciar. Interior, para os políticos em governança, é aquele sítio recôndito onde fecham serviços públicos. Se, num inquérito de rua, pedirmos que nos indiquem expressões que caracterizem o conceito, “desertificação”, “despovoamento”, “abandono”, “fecho” estarão certamente entre as mais citadas.

Já vimos a dificuldade em definir o conceito, mas há outro problema: o Interior de Portugal é uno e claramente delimitado no mapa ou existem vários, cada um com particularidades próprias? Trás-os-Montes é igual ao Alentejo? E nos arquipélagos atlânticos? As populações da Serra da Estrela têm os mesmos problemas do que as que vivem na Serra do Caldeirão? E pode-se falar ou não na dicotomia cidade/campo? É indiscutível que existem grandes desigualdades entre regiões em Portugal. Estas desigualdades ficaram mais visíveis a partir de meados do século XX com a emigração e os processos de des-ruralização, que se começaram a acentuar. Mas não podemos esquecer que estes acontecimentos poucas vezes tiveram uma resposta à altura por parte dos poderes públicos que há muito deixaram de pensar o país enquanto território, de forma estratégica. São apresentadas medidas avulso, reactivas e que dificilmente resolverão os verdadeiros problemas. O problema demográfico em Portugal é muito grave e é-o mais ainda no território nacional caracterizado como rural. Num passeio por essa faixa de terra encostada a Espanha vêem-se campos agrícolas abandonados, paisagens naturais destruídas e, se entrarmos nas nossas aldeias, portas fechadas. 

A mais recente resposta pública aos problemas do território consistiu numa reorganização das freguesias que não foi mais do que a agregação de localidades feita à pedoa sem qualquer preocupação com as afinidades e as rivalidades entre elas e, na maior parte dos casos, eliminando o último elemento identitário das populações. A resposta pública ao problema orçamental é o fecho de serviços públicos, de que as escolas primárias são exemplo a cada ano lectivo, a que se juntou no ano passado o fecho de muitos tribunais. Já antes tinha acontecido o mesmo com os centros de saúde, os correios e outras repartições da administração pública. Com o argumento de que não é viável manter estes serviços onde não há pessoas, verificamos hoje que há localidades em Portugal onde a bandeira da República Portuguesa já não é hasteada. Nas palavras do geógrafo João Ferrão, um especialista em questões do ordenamento do território, é necessário “pensar e implementar políticas conjuntas que aumentem a eficiência e ao mesmo tempo potenciem a coesão territorial, pois sem inteligência territorial”, Portugal chegará ao ano de 2060 com 6,4 milhões de habitantes (número estimado se se mantiverem os níveis demográficos actuais) sem respostas para lidar com a situação.


Nota: O ensaio "Noémi: um futuro para este rio" foi escrito em finais de 2014 e nunca chegou a ser publicado. Torno-o público esta semana dividido em três partes.








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