sexta-feira, 9 de março de 2012

"O grande problema do país é a morte das aldeias"

"O grande problema do país é a morte das aldeias", quem o diz é Gonçalo Ribeiro Telles neste artigo. Tomando como ponto de partida esse texto, os próximos posts que aqui publicarei serão dedicados a este tema tão premente.

Parto do exemplo do Rochoso da minha infância, algures em finais de 80. Os censos de 91 indicavam que o Rochoso tinha 466 habitantes (menos 100 do que no inicio da década anterior, bem longe dos mais de 1000 habitantes da década de 60). Não preciso recorrer a outras fontes que não a minha lembrança para verificar as profundas mudanças ocorridas de então para cá. 

O Rochoso era uma aldeia onde qualquer pessoa tirava algum rendimento da terra assim o quisesse. Fosse de centeio ou de batata. As fábricas de lacticínios vinham recolher o leite das vacas. À noite, havia fila de gente junto à loja que se construiu para se efectuar essa recolha. Trabalhavam diariamente à hora, três ou quatro tractores e ceifadeiras, lavrando e ceifando aqui e ali. No Verão instalava-se uma malhadeira mecânica nas eiras e só saía de lá quando todo o centeio da aldeia estivesse malhado. Qualquer canto, com mais ou menos terra fértil, era cultivado. Os velhos de hoje, mantinham na altura a vitalidade económica da aldeia. Havia mercado que aceitava o excedente produzido. Os novos de então começavam a procurar outras fontes de rendimento nos sectores secundário e terciário.

Na Guarda governava o presidente Abílio Curto conhecido como "o presidente das aldeias". Lembro-me de grande parte do seu mandato e da sua queda. Levou o saneamento básico às aldeias (todas ou quase todas), mandou fazer explorações para que a água potável chegasse canalizada às casas e a partir de certa altura, pelo menos no Rochoso foi assim, os grandes anseios passaram a ser a construção de sedes condignas para as juntas de freguesia e a construção de poli-desportivos em todas as aldeias. Foi nessa altura que se descobriu a poluição do rio Noéme, vítima de esgotos domésticos e industriais. E já depois dessa evidência ainda foi feito um poço no Rochoso para captação de água para a povoação.

No país governava Cavaco Silva e começavam a chegar os primeiros fundos comunitários a Portugal. Nessa fase o dinheiro que chegou ao Rochoso serviu essencialmente para a destruição de algumas culturas (lembro-me de algumas vinhas). Esta medida teve um duplo efeito social: positivo, porque esse dinheiro permitiu um rendimento extra (a juntar ao da reforma) aos mais velhos de então e nalguns casos algum conforto e descanso que nunca tinham tido na sua vida passada a trabalhar sem direito a um dia que férias que fosse; negativo, porque destruiu completamente a capacidade produtiva (mesmo a de subsistência), tirou as pessoas das actividades do sector primário e criou a ideia nos jovens de então que a agricultura não tinha futuro. Mesmo quando essa tinha sido a única actividade económica de relevo até então. Na paisagem os danos foram irreparáveis: quando se deixaram de cultivar os campos (os de longe e os perto de casa) permitiu-se que houvesse com mais frequência incêndios florestais (de ano para ano a chegarem mais próximo da aldeia), a floresta desapareceu e com ela a biodiversidade, os caminhos agrícolas tornaram-se intransitáveis remetendo alguns lugares para o mais profundo isolamento, aos terrenos abandonados e por cultivar foi roubada a pedra das paredes que davam sentido à palavra "propriedade" tão enraizada naquele povo.

Continua...

1 comentário:

  1. Caro Marcio:
    Este é efectivamente o grande problema das nossas aldeias. É que, a morte das pessoas é entendida como uma causa natural que acontece no fim da vida.
    No caso das aldeias, a sua morte é o desaparecimento de comunidades inteiras, da sua cultura, das suas raizes e que no fundo, passado algum tempo é como se nunca tivessem existido.
    Não podemos permitir que isso aconteça às nossas terras. É preciso voltar a povoá-las. Mas como? Incentivos à agricultura? Não me parece.
    Já no que se refere à genuinidade dos produtos produzidos e sua qualidade, ai sim, devemos incentivar.
    Será que não temos nada nas nossas terras que seja único? Vamos meditar sobre isto e continuar a escrever, divulgando as nossas ideias.
    Aguardo a conclusão do texto aqui iniciado
    JFernandes (Pailobo)

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