quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O meu rio é de ouro

Roubo o titulo deste texto a um livro de Manuel António Pina, beirão, escritor e jornalista. Os seus rios (Côa e Douro) são de ouro diz: "Nasci numa terra com um grande castelo, nas margens de um rio onde, no Verão, passeávamos de barco e nadávamos nus. (...) Assim, apesar de ter nascido numa terra com um grande castelo, nas margens de um pequeno rio, não pertenço a lugar nenhum, ou pertenço a muitos lugares ao mesmo tempo."

Houve um tempo em que Homens e Natureza eram um só. Não havia ambientalistas e o próprio conceito de ecologia só passou a ter real sentido depois de ter começado a haver poluição. Aquilino Ribeiro apreciava as trutas do rio Paiva e as lebres e perdizes que caçava nas "Terras do Demo". Torga, também caçador, recolhia-se nas fragas transmontanas. Os rios estavam lá e as pessoas naturalmente iam lá lavar a roupa ou as tripas do porco em tempos de matança; regavam os campos e em Verões de maior seca, se fosse necessário racionar a água, não se poupavam umas sacholadas a quem regasse fora do seu dia; as rodas do moinho funcionavam com a força das águas. Mas os rios também podiam ser maus, como naquele Inverno de 1990 (ou seria 1991?) em que o rio Noéme derrubou várias pontes ao longo do seu percurso e causou grandes prejuízos. A modernidade e o progresso (?) alteraram essa ordem estabelecida e as pessoas abandonaram as suas aldeias, as suas origens, as suas memórias. Algumas não mais voltaram. Pode ser romântica e bela a ideia dos paraísos idílicos e da ruralidade mas esses tempos eram de pobreza e sem qualquer espaço para os sonhos.

Hoje os rios são de ouro (mais pela escassez de rios absolutamente impolutos do que propriamente pela qualidade das suas águas). Hoje há uma consciência colectiva que nos faz cuidar da Natureza. Como se durante anos e anos tivéssemos estado a derrubar uma casa e, a partir de certa altura, voltássemos a reconstrui-la com materiais novos. Em tempos de crise vinga a ideia que os recursos devem ser explorados, aproveitados, "vendidos"... Em tempos de crise não há lugar para os sonhos e a imaginação, a única forma de encontrar as soluções, é esmagada pelo pragmatismo e pela "racionalidade".

O rio Noéme limpo servirá para tudo o que se quiser. Voltará a ter açudes onde se apanharão peixes com as mãos. No rio Noéme limpo voltarão a ouvir-se rãs a saltar para a água e guarda-rios a cantar. Voltará a ser de ouro. E no meu rio de ouro poder-se-à voltar a sonhar!

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