terça-feira, 28 de junho de 2011

"Noto que ambos estão a ser pressionados pela ARH Norte e querem por isso resolver o problema."

Crónicas do Noéme: Mas se houver fábricas na malha urbana o que fazer então?
Engº. Miguel Ferreira: O regulamento dos fundos comunitários também prevê isso. Se os efluentes produzidos por essas fábricas forem significativos terão de ser pré-tratados para que possam ser descarregados nos colectores com características de efluente doméstico. Isso permite que as ETARs os possam tratar. Como já disse, uma ETAR é uma fábrica que recebe um produto e o transforma noutro. O produto que recebe é esgoto com características conhecidas e o tratamento é feito em função dessas características. Se vier esgoto com outras características a ETAR deixa de poder tratar.

Crónicas do Noéme: Todos os efluentes que chegam à ETAR de S. Miguel ou do Torrão cumprem esses pressupostos?
Engº. Miguel Ferreira: Sim. A ADZC não tem relação directa com as fábricas; a recolha dos efluentes é feita pelo SMAS que posteriormente nos entrega para tratamento. Nós fazemos análises à entrada e podemos detectar logo aí situações anormais. Somos obrigados a controlar o que entra e o que sai. Se houve anomalias à entrada temos de averiguar junto do SMAS o motivo e avaliar se pudemos ajustar o tratamento para aquele efluente. As ETARs domésticas são projectadas para conseguir tratar 15% de efluente de origem industrial.

Crónicas do Noéme: Qual o ponto de situação sobre a ligação dos efluentes da Têxtil Manuel Rodrigues Tavares à ETAR de S. Miguel?
Engº. Miguel Ferreira: Há cerca de 2 meses fomos contactados pelo SMAS da Guarda para avaliarmos a possibilidade de ligação da fábrica à ETAR de S. Miguel e nós pedimos pareceres sobre as características do efluente. Como nos candidatámos a fundos comunitários para fazermos obras de adaptação na ETAR e temos por isso um projectista de uma empresa alemã a trabalhar conosco encaminhámos para ele os dados para estudo. Essa empresa disse-nos que em termos de caudal a ETAR de S. Miguel ainda tem capacidade para receber esse efluente, mas as características físico-químicas do efluente produzido, nomeadamente em termos de azoto, estava acima do limite que podemos tratar. Marcámos uma reunião em que estiveram presentes a Câmara Municipal da Guarda, o SMAS, responsáveis da fábrica e o projectista e apresentámos as conclusões. Foi aceite por todas as partes que o nosso projectista fizesse uma análise técnica do que a fábrica produz e o que nós podemos aceitar; o projectista já enviou quais as características que o efluente da fábrica tem de ter na saída. O pré-tratamento que a fábrica faz não é suficiente e existem agora duas hipóteses: a fábrica faz um pré-tratamento para pôr o efluente com características que permitam o tratamento na ETAR de S. Miguel ou faz ela própria um tratamento que permita descarga no meio receptor. Terão de ser a fábrica e o SMAS a decidir o que fazer. A optarem pela primeira hipótese haverá custos de construção dos emissários elevatórios e gastos energéticos para trazer o efluente para montante. Até ao fim do mês (Junho) marcaremos uma reunião com as partes envolvidas em que o projectista explicará o que fez, quanto custarão à fábrica e ao SMAS uma alternativa e outra e termina aqui a participação da ADZC neste processo. Cabe à fábrica e ao SMAS avaliar os riscos e as vantagens e desvantagens de cada opção. Noto que ambos estão a ser pressionados pela ARH Norte e querem por isso resolver o problema. Neste caso o SMAS não tem qualquer competência para determinar o que se pode descarregar no rio.

Crónicas do Noéme: Porque não se reencaminha o efluente para a ETAR da PLIE?
Engº. Miguel Ferreira: Não consigo dizer porque não conheço a ETAR da PLIE. Não sei o que está lá nem para que é que aquilo foi pensado.

Crónicas do Noéme: Existe o perigo da ETAR de S. Miguel se tornar ineficiente?
Engº. Miguel Ferreira: Se forem cumpridos os limites impostos a ETAR tem possibilidade de tratar o efluente. As indústrias, sejam elas quais forem, têm de cumprir escrupulosamente os limites e vigiar os seus tratamentos. Se as fábricas falharem nos seus pré-tratamentos e chegar aqui algo que está acima das nossas capacidades nós não teremos possibilidade de o tratar. Se as fábricas tratarem como está na licença de descarga não haverá problemas; se não o fizerem então o problema será igual ao que hoje existe. A ARH só fiscaliza quem descarrega no meio receptor.

Crónicas do Noéme: Assim sendo, havendo uma falha no processo a culpa será da ETAR?
Engº. Miguel Ferreira: Vejamos assim: a ETAR tem um cliente único, o SMAS da Guarda. A ADZC faz análises à entrada para saber as características do efluente. Se começarmos a detectar que não é possível ser tratado o efluente que nos chega vamos averiguar o que se passou. Muitas vezes não sabemos qual a origem do problema, outras vezes pelas características do efluente conseguimos determinar a causa.

Crónicas do Noéme: A CMG diz muitas vezes na Comunicação Social que um dos problemas da poluição do rio Noéme tem a ver com o fraco caudal do rio Diz onde descarrega a ETAR de S. Miguel. Não se podendo alterar o caudal do rio, deve-se diminuir o caudal da descarga?
Engº. Miguel Ferreira: O caudal de um rio é uma característica, uma variável do problema. Quando a ARH define uma licença de descarga mede o caudal do rio para a definir. Portanto o caudal do rio só é um problema na fase de definição do limite da licença, após isso não.

Crónicas do Noéme: A poluição do rio Noéme é uma inevitabilidade?
Engº. Miguel Ferreira: A poluição de um rio não é uma inevitabilidade nem é algo desejável. As instâncias comunitárias têm a obrigação de conferir saúde às massas de água e financiou-nos para isso. Existem compromissos, com datas estabelecidas, que se não forem cumpridos Portugal é multado.

Crónicas do Noéme: Portugal, o Município ou o poluidor?
Engº. Miguel Ferreira: Quem recebe a multa é Portugal. O país recebe fundos para tratamento das águas e tem de provar que há resultados positivos. As massas de água estão melhores do que estavam.

Crónicas do Noéme: Se é Portugal que paga, os poluidores podem continuar a fazâ-lo?
Engº. Miguel Ferreira: Se o Estado pagar mas a responsabilidade for de outra entidade então o Estado tem obrigação de multar o poluidor.

Crónicas do Noéme: O rio Noéme desagua no rio Côa. Este abastece de água as populações. A poluição do Noéme pode afectar a qualidade dessa água?
Engº. Miguel Ferreira: Não. O abastecimento de água para consumo é feito a partir de uma captação na barragem do Sabugal. A poluição do rio Noéme poderia afectar a qualidade de uma captação de emergência que a empresa tinha no Porto de S. Miguel no concelho de Almeida e que nós explorámos durante algum tempo. Mas já não utilizamos.

Crónicas do Noéme: A água é o recurso mais valioso, mais caro e cada vez mais escasso. Situações como esta são ainda justificáveis?
Engº. Miguel Ferreira: A água é um recurso valioso mas as pessoas não o percepcionam como tendo grande valia económica e não estão dispostas a pagar muito por ele. É percepcionado como caro mas não é visto como algo que se deva pagar porque é natural. Colocar a água em casa das pessoas ou despoluir o Noéme tem custos associados. As pessoas dizem que a água que se compra no supermercado é barata e a água da torneira é cara. Somando água e tratamento de esgotos nós cobramos 1 euro por metro cúbico (1000 litros), ou seja 0,1 cêntimos por litro. A água do supermercado custa mais que isso. Mas as pessoas percepcionam o contrário… é algo que tem a ver com a maneira como nos relacionamos com a Natureza que é algo puro, imaculado e grátis (mas não é).

Crónicas do Noéme: … agora falou o gestor. E a opinião do cidadão Miguel Ferreira?
Engº. Miguel Ferreira: O cidadão acha que os serviços têm de ser sustentáveis e a qualidade dos meios receptores tem de ser garantida. Na sociedade actual não é justificável haver poluição sob argumento que é caro despoluir.

domingo, 26 de junho de 2011

"A filosofia da UE é a do poluidor-pagador, ou seja, o custo final de uma caneta deve conter os custos da poluição gerada no processo de fabrico." - Conversa com o engenheiro Miguel Ferreira, administrador da empresa Águas do Zêzere e Côa

O engenheiro Miguel Ferreira é administrador da empresa Águas do Zêzere e Côa (ADZC) desde 2007. Esta é a primeira parte da conversa que tivemos no início do mês de Junho sobre o tratamento das águas residuais no concelho da Guarda e a poluição do rio Noéme.

Crónicas do Noéme: Como é feito o tratamento de águas residuais no concelho da Guarda?
Engº. Miguel Ferreira: O concelho da Guarda tem três bacias hidrográficas: Zêzere, Douro e Mondego. O rio Noéme desagua no rio Côa que por sua vez vai desaguar no rio Douro na barragem do Pocinho. Uma grande parte das freguesias do concelho despeja os seus resíduos numa das várias estações de tratamento que descarregam no rio Noéme. A principal estação de tratamento de águas residuais (ETAR) é a de S. Miguel que trata a generalidade dos resíduos urbanos da Guarda, mas há outras nomeadamente na Quintazinha do Mouratão, no Rochoso… têm tecnologias diferentes adequadas às características do local onde se encontram.

Crónicas do Noéme: Qual o papel da ADZC e da Câmara Municipal da Guarda neste processo?
Engº. Miguel Ferreira: Nós somos uma espécie de “grossistas” da água. Recebemos esgoto e tratamos aquilo que os municípios nos entregam. Os municípios recolhem nas redes de saneamento em baixa os esgotos da casa das pessoas e colocam-no em emissários em alta ou em ETARs da ADZC. Nós não temos a responsabilidade de tratar todas as águas residuais do concelho, por exemplo a ETAR da Plataforma Logística (PLIE) pertence aos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMAS) da Guarda bem com algumas povoações pequenas que se encontram fora do contrato de concessão. O contrato de concessão deixa fora algumas situações porque não seria economicamente viável ter 100% de tratamento de águas residuais em sistemas multi-municipais.

Crónicas do Noéme: Na cidade da Guarda, só a ETAR de S. Miguel descarrega efluentes para o rio Noéme?
Engº. Miguel Ferreira: A maior parte provém da ETAR de S. Miguel. A ETAR do Torrão deverá despejar para um afluente do rio Noéme portanto vai lá ter indirectamente.

Crónicas do Noéme: Que tratamentos são feitos na ETAR de S. Miguel?
Engº. Miguel Ferreira: É uma ETAR com tratamento intensivo. Existem dois tipos de tratamentos: o extensivo consome menos energia, menos reagentes e requer mais espaço. É adequado a pequenas povoações e é realizado de forma natural através do uso de plantas macrófitas de grande dimensão. As unidades deste tipo requerem muito espaço e por isso só são viáveis em populações até 500 habitantes. Por exemplo, a da Quintazinha do Mouratão ou do Rochoso são deste tipo. O tratamento intensivo é feito à base de grandes gastos energéticos, maquinaria e reagentes e é adequado ao tratamento de resíduos de grandes populações. A ETAR de S. Miguel serve entre 40000 a 50000 habitantes. Esta ETAR tem duas linhas de tratamento: uma antiga construída pelo SMAS anterior à gestão da ADZC e uma mais recente construída em 2002/2003. As águas residuais passam por um tratamento preliminar comum onde são retirados os sólidos, as areais e as gorduras para não perturbar as fases seguintes do processo. Depois o efluente é dividido pelas duas linhas onde são feitos os tratamentos primários e secundários. A linha mais recente consome mais energia mas retira mais azoto e fósforo. É uma necessidade que surgiu posteriormente. Apesar das diferenças de funcionamento mantemos as duas linhas em funcionamento porque a mais recente está perto da capacidade de tratamento para conseguirmos o limite de descarga no rio determinado pela ARH Norte.

Crónicas do Noéme: Como é que a ARH Norte determina as taxas de descarga?
Engº. Miguel Ferreira: Esta entidade tem de zelar pela boa saúde das águas que estão sob sua alçada. Existe legislação mas o que determina a taxa de descarga num rio é a licença emitida pela ARH. Se o meio receptor tiver grande capacidade o limite é o determinado pela lei; caso contrário esta entidade determina caso a caso. Por exemplo, esta entidade classificou recentemente a barragem do Pocinho como “área sensível” e por isso as águas que vão para lá terão de ser tratadas de forma diferente. Dou outro exemplo, se houver uma praia fluvial a seguir a uma zona de descarga de uma ETAR então será necessário um tratamento terciário para desinfectar a água de modo a que não cause danos à saúde. Na ETAR de S. Miguel fazemos desinfecção de uma parte da efluente que produzimos para aumentar o caudal dos riachos e lagoas que se encontram no Parque Urbano do Rio Diz

Crónicas do Noéme: Se não houvesse interferências externas a seguir ao ponto de descarga da ETAR de S. Miguel poder-se-ia tomar banho no rio Noéme?
Engº. Miguel Ferreira: Acreditando que a licença está bem passada obviamente poderia. O problema é que existem mais focos poluidores para além da ETAR e o estado do rio Noéme não será o mais adequado. A ARH deve monitorizar a água do rio, isto está para além das nossas competências. Nós só controlamos o estado do efluente que descarregamos no rio.

Crónicas do Noéme: Se houver uma avaria na ETAR qual é o plano de contingência?
Engº. Miguel Ferreira: Temos redundância em todos os componentes do processo. É uma regra de boa execução e de boa engenharia, o que torna o processo mais caro. Mas o risco existe sempre. Apesar de termos geradores, se falhar a energia eléctrica por um longo período de tempo a partir de certa altura o tratamento fica comprometido e o efluente não sairia a cumprir os limites da licença. Neste caso, somos obrigados a avisar de imediato a ARH Norte e esta tem a capacidade de conhecer todos os utilizadores do rio e avaliar as consequências. Nunca me lembro da ETAR de S. Miguel ter uma avaria desta dimensão.

Crónicas do Noéme: Fala muitas vezes na parte económica. Quanto custa tratar os efluentes?
Engº. Miguel Ferreira: Uma empresa é algo que só sobrevive se gerar receitas. O custo aqui tem duas componentes: a parte da empresa e do município. O município tem a rede de saneamento de recolha e os seus funcionários. Do lado da empresa existe o custo de pagamento do empréstimo contraído e o custo de manutenção (pessoal, energia, reagentes…). Tratar 1 metro cúbico de efluente custa 90 cêntimos porque estamos numa área com povoações muito dispersas, temos 187 ETARs nos 16 municípios abrangidos pelo contrato de concessão e pouca população se comparado por exemplo com a Grande Lisboa ou o Grande Porto. É impossível aqui reencaminhar os esgotos para uma mega ETAR. Devido a estes factores fica mais caro.

Crónicas do Noéme: Existem aldeias que não têm esgotos tratados no concelho da Guarda?
Engº. Miguel Ferreira: Ainda não concretizámos todo o plano. As ETARS já estão todas construídas e a funcionar mas ainda estão a ser feitas ligações de algumas aldeias a estas infra-estruturas. Quando as redes de saneamento foram construídas há 20 ou 30 anos não tinham o objectivo de conduzir os esgotos para uma ETAR. Foram feitas para retirar os esgotos do centro da aldeia para uma fossa séptica. Ainda hoje encontramos fossas comunitárias que não estão nas plantas e por isso com a colaboração do SMAS vamos melhorando a rede.

Crónicas do Noéme: Nessa altura o trabalho não deveria ter sido feito de forma mais planeada?
Engº. Miguel Ferreira: Não havia conhecimento. Daqui a 30 anos podemos chegar à conclusão que o que fazemos hoje não é o mais adequado face a um paradigma que venha a existir no futuro.

Crónicas do Noéme: Estivemos anos sem tratamento nenhum, depois canalizámos de forma caótica e poluímos rios e hoje andamos a limpar?
Engº. Miguel Ferreira: Antigamente a água residual das casas era usada nos campos agrícolas e a sua utilização foi sustentável durante séculos. A drenagem para uma ETAR nem era hipótese. Abandonámos a agricultura e ficaram as águas residuais.

Crónicas do Noéme: Como é feito o tratamento dos efluentes do Parque Industrial e da PLIE?
Engº. Miguel Ferreira: A ADZC tem contrato de concessão para águas residuais de origem doméstica podendo no entanto tratar também as águas industriais que também afluem na mesma rede. Existe muitas vezes indústrias na malha urbana e não seria economicamente viável dividir a rede em domésticos e industriais. A PLIE tem ETAR.

Crónicas do Noéme: … e funciona?
Engº. Miguel Ferreira: Não sei, é do Município.

Crónicas do Noéme: Qual a lógica que sustenta esta separação?
Engº. Miguel Ferreira: Tem a ver com a relação entre as empresas e os fundos comunitários. A ADZC tem acesso a fundos comunitários. A UE tem medo que exista concorrência desleal entre países. Imaginemos que uma empresa não tratava os seus efluentes e os colocava na rede. Os efluentes dessa rede eram posteriormente tratados por uma ETAR paga com fundos comunitários. Os custos da poluição passariam a estar repartidos por todos os contribuintes europeus. Essa fábrica poderia produzir material mais barato que uma fábrica na Alemanha ou na França que trate os seus efluentes e por isso haveria concorrência desleal entre países da UE patrocinada por dinheiros de todos nós. A filosofia da UE é a do poluidor-pagador, ou seja, o custo final de uma caneta deve conter os custos da poluição gerada no processo de fabrico.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Rodapé

Disseram-me que no rodapé do Telejornal da RTP1 de um destes dias apareceu a seguinte notícia: "Petição online pela despoluição do rio Noéme".

terça-feira, 21 de junho de 2011

"A água é a chave para reduzir a pobreza"

Uma excelente entrevista publicada no Expresso que nos permite reflectir sobre a Água e a forma como hoje damos por adquiridos recursos que afinal poderão não existir no futuro.
"O canadiano William Cosgrove foi vice-presidente do Banco Mundial e presidente do Conselho Mundial da Água, sendo considerado um dos maiores especialistas mundiais nas questões relacionadas com este recurso natural".

domingo, 19 de junho de 2011

Pelo Ambiente, marchar marchar

Realizou-se ontem, dia 18, a Marcha pelo Ambiente organizada pela Câmara Municipal da Guarda. Em defesa de um melhor ambiente na Guarda e para consciencializar a população em geral para a problemática, sobretudo os mais novos. Uma iniciativa para aplaudir.

Depois da Marcha, a reflexão. Vamos falar de Ambiente na Guarda:
- Já há solução para o crime ambiental que dia após dia acontece no rio Noéme? Afinal o que falta para ser resolvido?

- O Ar da Guarda vai ou não ser potenciado e tornar-se finalmente uma referência nacional e internacional?

- Qual a estratégia para a floresta do concelho ou vamos continuar a assistir à desertificação contínua das áreas mais rurais?

- Que medidas estão a ser tomadas para proteger e potenciar os recursos endógenos e as espécies naturais que só aqui existem?

- O que está a ser feito para valorizar uma agricultura moderna, amiga do Ambiente e estrategicamente relevante do ponto de vista económico?

- A Serra da Estrela vai ser finalmente associada à marca Guarda e valorizada como deve ser?

Debater o Ambiente da Guarda passa por ter uma ideia para o assunto, uma visão clara e conceber uma estratégia para concretizar essa intenção. Depois é necessário atribuir-lhe um valor (ou seja dar-lhe prioridade face a outros temas da governação, avaliar o que se ganha e o que perde com a estratégia) e planificar as acções necessárias para a concretização. Cada acção tem de ter recursos alocados (dinheiro e pessoas) e tempos de execução bem definidos. Devem ser acções consequentes e não medidas avulsas. 

A Guarda deu importantes passos com a criação da Quinta da Maúnça, do Parque Urbano do rio Diz, das praias fluviais... mas na minha opinião são iniciativas avulsas (que poderão ser incorporadas obviamente na estratégia). Por outro lado deixa que deliberadamente se continue a destruir o rio Noéme. Qualquer cidade que se quer moderna já ultrapassou estes problemas e está a olhar mais à frente. É que falar de Ambiente na Guarda engloba coisas tão díspares como a desertificação das aldeias, a protecção dos recursos e a potenciação económica e criação de postos de trabalho e riqueza. E não tenho visto este debate acontecer. Nem sei que ideias existem.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

"Em Defesa do Rio Noéme"

A Petição em defesa do nosso rio continua. Assinar aqui.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

“O grande desafio da geração seguinte vai ser viver numa sociedade mais sustentável em termos da nossa relação com a Natureza, baixar o padrão de consumo e conseguir tudo isso sem que comecem todos à estalada."

Crónicas do Noéme: Quais as consequências para as populações de um rio poluído?
Prof. Ramiro Neves: Tem consequências para aqueles que a utilizam para beber, para regar ou para fins lúdicos. Umas vezes, o prejuízo é quantificável em dinheiro, outras simplesmente faz perder oportunidades. Um rio poluído inviabiliza, por exemplo, o ecoturismo. A saúde pública pode ser quantificada de muitas formas: custos em medicamentos, utilização de infra-estruturas hospitalares, absentismo ao trabalho…

Crónicas do Noéme: Um rio poluído com compostos químicos pode causar problemas de saúde às pessoas que comem por exemplo produtos regados com essa água?
Prof. Ramiro Neves: No limite sim, mas as pessoas não bebem água de rios poluídos nem tomam lá banho. O mais comum é serem contaminados os produtos da agricultura e por isso não terem a produtividade que deviam. Quando as plantas são regadas com água contaminada percebem-no e rejeitam-na e por isso deixam de crescer. As próprias plantas têm mecanismos de defesa e conseguem seleccionar os compostos que retiram do solo. O maior problema da rega com água contaminada é a destruição das plantações e a contaminação dos solos. Mas se por exemplo um caçador apanhar um pato que ande perto do rio contaminado pode causar problemas à saúde das pessoas.

Crónicas do Noéme: Há tratamentos alternativos às ETARs que se possam fazer para reduzir a poluição?
Prof. Ramiro Neves: Sim, existem técnicas de “bio-remediação” que podem ser aplicadas mas têm de ser estudadas caso a caso conforme o rio. Consistem em instalar um ecossistema que faça algo por nós à semelhança do que acontece nas ETARs com tratamento secundário e terciário. Geralmente um rio não está poluído da nascente até à foz, está somente nalguns troços. É nesses troços mais pequenos que se pode instalar um ecossistema de forma a criar um mecanismo que melhore a água. A água pode ser melhorada através da diluição de águas não poluídas ou porque houve bactérias ou plantas que consumiram os poluentes. O ideal será nunca descarregar um efluente contaminado no rio mas fazê-lo num lago onde se pudesse fazer esse tratamento natural. Convenceram-nos que uma ETAR era uma coisa que tinha de ser feita de pedra e cal. E quem ganhou com isso? Os construtores civis que as constroem e os produtores de equipamentos que são caríssimos. Do outro lado há os defensores das eco-tecnologias que podem fazer o tratamento de águas residuais sem paredes de betão e sem equipamentos, criando zonas onde os seres vivos podem resolver os problemas. Pode começar a fazer-se de forma mais ou menos directa em zonas com aglomerações de pequena dimensão onde não vale a pena investir em ETARs. Nesses casos podem fazer-se leitos de macrófitas. Põem-se plantas, entra o esgoto e sai água. As plantas retiraram o material contaminado e só precisamos de cuidar das plantas. Funciona sobretudo em pequenos caudais e tem menos custos, é melhor para o ambiente e tem menos burocracia. A Natureza tem capacidade regenerativa.

Crónicas do Noéme: Pode criar-se em Portugal um cluster de empresas que podem desenvolver esse tipo de tecnologias?
Prof. Ramiro Neves: Claro que sim. Existe em Portugal know-how técnico para desenvolver este tipo de soluções. Cada problema tem uma solução mais adequada, é necessário deter o conhecimento.

Crónicas do Noéme: Podemos deixar de ter rios poluídos?
Prof. Ramiro Neves: Esse é o objectivo da Lei da Água. Com o ecossistema natural ou modificado as pessoas poderão voltar a ver peixes nos seus rios. Um rio é um ecossistema que recupera relativamente depressa quando eliminamos uma fonte de poluição. A recuperação vê-se logo no tipo de espécies que aparecem nos rios e a água volta a ficar transparente.

Crónicas do Noéme: Parece uma contradição mas no tempo dos nossos avós não havia tecnologia, não havia saneamento e no entanto os rios estavam limpos e as pessoas usufruíam deles. Como explica isto?
Prof. Ramiro Neves: Sim mas tem uma explicação. A poluição consiste no aumento da concentração dos agentes nocivos no ambiente. No tempo dos nossos avós a concentração era menor porque a principal fonte de poluição, as pessoas, estavam dispersas em pequenas aldeias e toda a matéria orgânica era usada os campos. Na altura o estrume era um recurso, hoje é um problema. A dada altura as pessoas deslocaram-se para as cidades e começaram a consumir mais. Através da rede de saneamento todo o esgoto passou a estar concentrado num único ponto e a descarregar nos rios sem tratamento. O esforço de construção das redes de saneamento e estações de tratamento de resíduos demora duas gerações a ser concluído. No tempo dos nossos avós não havia poluição nos rios porque não havia canos de esgoto; no tempo dos nossos pais construíram-se as redes de saneamento e poluíram-se os rios; agora estamos a construir ETARs e a despoluir os rios. Já passámos pela fase pior.

Crónicas do Noéme: Vamos entregar um bom património à geração seguinte?
Prof. Ramiro Neves: Sim. Vamos entregar um património muito melhor que aquele que recebemos. A maior parte do problema já está resolvido porque conseguimos recursos financeiros para fazer isto. Só os países ricos é que tratam do ambiente. Os países com menos água potável são sempre os mais pobres.

Crónicas do Noéme: Em termos de ambiente, Portugal é um país pobre, rico ou remediado?
Prof. Ramiro Neves: Portugal está no clube dos ricos. Se todos os cidadãos do Mundo tivessem o padrão de consumo dos portugueses este seria insustentável, não haveria recursos suficientes para todos.

Crónicas do Noéme: Quais os desafios que deixamos à geração seguinte?
Prof. Ramiro Neves: Criámos uma sociedade insustentável e o clube dos ricos só vive porque há pobres que não consomem. Quando estes crescerem e quiserem consumir também o modelo de sociedade que existe pode implodir. O grande desafio da geração seguinte vai ser viver numa sociedade mais sustentável em termos da nossa relação com a Natureza, baixar o padrão de consumo e conseguir tudo isso sem que comecem todos à estalada uns nos outros.

terça-feira, 7 de junho de 2011

“Os empresários que interessam a Portugal são aqueles que encaram a poluição como um custo”

Crónicas do Noéme: Ainda vivemos num período de desordenamento caótico?
Prof. Ramiro Neves: Já não acontece tanto. Para além da legislação, o mercado desempenha um papel importante neste processo. Os consumidores são exigentes, seja na compra de uma casa ou de outro produto qualquer. Os produtos têm a informação do modo de fabrico e dos seus componentes e portanto à medida que os consumidores ficam mais esclarecidos, também os produtores têm de melhorar os seus processos sob risco de saírem do circuito.

Crónicas do Noéme: Isso aconteceria numa sociedade ideal… Nessa mesma sociedade ideal, se as autarquias não construíssem as infra-estruturas então os empresários deveriam tomar as medidas necessárias para não causar danos no ambiente. Por um lado teriam ganhos de imagem por serem empresas amigas do ambiente, por outro lado poderiam aumentar os custos de produção ou diminuir margens de lucro. É assim?
Prof. Ramiro Neves: Têm de se tomar medidas contra os incumpridores. À medida que a sociedade portuguesa evolui, são os empresários cumpridores que exigem a aplicação das leis porque senão dá-se o caso de haver concorrência desleal no mercado. Mas há outro ponto ainda: a substância poluente também tem um custo, é matéria-prima. No balanço final, uma empresa eficiente é aquela que consegue produzir com o mínimo de resíduo o máximo de produtos para venda e assim maximizar os lucros. Ora tudo o que vai pelo cano de esgoto é desperdício que também foi pago. Uma fábrica organizada tem vantagens em não poluir. Os empresários que interessam a Portugal são aqueles que encaram a poluição como um custo e neste exemplo, uma forma de minimizar custos é mudar o método de fabrico. Há bastantes fábricas que já o fazem.

Crónicas do Noéme: Em épocas de crise como a que vivemos pode haver a tentação de se fazer a chantagem: “ou é assim ou fechamos e as pessoas vão o desemprego”…
Prof. Ramiro Neves: E é justamente neste ponto que deve entrar o poder público. Este pode ter o papel de penalizador ou pode ser um mediador que ajuda a resolver o problema. Construindo infra-estruturas, patrocinando financiamentos para a mudança de métodos de fabrico… Entre fechar uma fábrica e não tomar nenhuma medida existe um meio termo muito extenso para que todas as partes envolvidas possam trabalhar. Havendo problemas numa fábrica pode-se estudar como outros indústrias semelhantes resolveram os seus problemas e quais as soluções tecnológicas que existem.

Crónicas do Noéme: O Ministério da Economia ainda prevalece sobre o Ministério do Ambiente?
Prof. Ramiro Neves: Essa prevalência é cada vez menor. A agricultura começa a ter maior impacto sobre a qualidade da água dos rios do que a indústria. Há países em que o Ministério da Agricultura foi integrado no Ministério do Ambiente, mas este nunca vai absorver o da Economia.

Crónicas do Noéme: Como é que a agricultura, mesmo de subsistência, pode poluir um rio?
Prof. Ramiro Neves: De duas maneiras: ou pelo uso excessivo de fertilizantes ou através da utilização de pesticidas. Uma agricultura mal feita pode também destruir os solos.
Crónicas do Noéme: Como se reverte este processo?
Prof. Ramiro Neves: Ensinando os agricultores. Por exemplo, veja-se o caso da rega em excesso. Os agricultores pensam que estão a fazer bem, contudo quando se rega em excesso os nutrientes que se colocam no solo são removidos pela água antes de serem absorvidos pelas plantas e em consequência disso são contaminadas as águas subterrâneas e os rios.

Crónicas do Noéme: Há muitos organismos que tratam dos assuntos do Ambiente. As suas funções não se sobrepõem?
Prof. Ramiro Neves: O modelo de gestão não é igual em todos os países. Em Portugal os organismos estão dispersos. Pessoalmente não me choca que os organismos que definem regras não sejam os mesmos que aplicam as multas. A ARH tem um papel de gestão e regulação das entidades que usam a água. Esta entidade deve criar uma relação colaborante com os utilizadores da água.

Crónicas do Noéme: O SEPNA (Brigada do Ambiente da GNR) é responsável pela fiscalização dos crimes contra o ambiente. Porque não aplica coimas, à semelhança do que acontece no trânsito? Não se pode pensar que existem decisões políticas a sobrepor-se a questões judiciais?
Prof. Ramiro Neves: Os procedimentos deveriam ser simples e nessa medida a GNR deveria poder actuar de imediato. Quando os processos são complexos corre-se o risco de não serem levados até ao fim. Há no entanto situações onde não têm competência técnica para actuar e aí devem recolher as provas e entregá-las às entidades.

Crónicas do Noéme: Que dados deve recolher?
Prof. Ramiro Neves: O agente no local deve calçar umas luvas e recolher uma amostra de água do rio onde se suspeita ter havido uma descarga poluente para um frasco. Essa amostra deve ser analisada em laboratório. Neste processo há dois pontos essenciais: a recolha da prova e a outra mais complicada a identificação dos responsáveis. Geralmente há mais do que uma entidade a viver juntos dos rios e por isso quando o rio está poluído numa secção pode ser difícil dizer imediatamente quem foi o poluidor e pode até ser mais do que um. Mas uma coisa é certa: se há poluição, há poluidor.

Crónicas do Noéme: Qualquer laboratório pode analisar essas amostras?
Prof. Ramiro Neves: Sim, desde que certificado. A certificação pode ser ao nível dos métodos usados, das normas empregues para fazer as análises e, dependendo das substâncias, também o pode ser o transporte porque há produtos que se podem degradar entre o momento da colheita e o momento da análise.

Crónicas do Noéme: O custo de ter um bom sistema de tratamento de resíduos é superior ao valor das multas aplicadas?
Prof. Ramiro Neves: Normalmente é muito superior às multas.
Crónicas do Noéme: Então compensa poluir.
Prof. Ramiro Neves: Depende. O que está em causa não é o valor unitário das multas mas a frequência com que é passada. Se for passada muitas vezes a partir de certa altura já não compensa poluir. O Tribunal Europeu multa Portugal quando não aplica uma determinada lei do ambiente. Mas o valor da multa é calculado por dia até que o problema seja resolvido. Uma fábrica ou uma autarquia podem ser multadas por um determinado valor diário até à construção de uma ETAR por exemplo. Essa obra até pode custar 100 vezes mais do que a multa, mas se demorar três meses a ser construída no final já está a perder dinheiro.

Crónicas do Noéme: As populações afectadas devem defender-se apresentando queixas no Tribunal Europeu?
Prof. Ramiro Neves: Possivelmente sim e se calhar até é burocraticamente mais fácil. Devem-se apresentar as queixas junto de quem tem a obrigação de resolver o problema; se persistir deve falar-se com a instância imediatamente acima. Acima das ARHs está o INAC (Instituto Nacional da Água). Esta é a entidade com mais poderes em termos de gestão da água em Portugal.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

"O tratamento aplicado aos efluentes domésticos ou industriais deve ser o estritamente necessário e não ir para além dele. A arte está em conseguir isso sem causar danos no meio receptor." - Conversa com o professor Ramiro Neves

O professor Ramiro Neves é coordenador do Mestrado Integrado em Engenharia do Ambiente do Instituto Superior Técnico e um dos maiores especialistas em recursos hídricos em Portugal. Esta é a primeira parte da conversa que tivemos sobre Rios.

Crónicas do Noéme: A quem pertencem os rios?
Prof. Ramiro Neves: Em termos de governança, os rios estão sob tutela da administração das regiões hidrográficas. Estas entidades têm autoridade sobre a água e portanto têm de criar mecanismos para que os rios se mantenham em bom estado.

Crónicas do Noéme: Qual é o estado da água dos rios portugueses?
Prof. Ramiro Neves: Na maioria dos casos está muito melhor do que num passado recente. Foi implementada a directiva do tratamento de águas residuais urbanas que retirou uma boa parte das descargas poluentes de origem urbana dos rios. O período definido para a implementação da directiva já expirou, no entanto sabemos que ainda há ETARs a serem construídas e ainda nos chegam notícias de rios poluídos aqui e ali.

Crónicas do Noéme: Essa directiva diz respeito aos efluentes domésticos… e os industriais? Devem ir para as ETARs ou quem produz os resíduos deve tratá-los dentro de sua casa?
Prof. Ramiro Neves: A responsabilidade do tratamento dos resíduos industriais é partilhada. As unidades industriais devem fazer um pré-tratamento que permita a descarga do efluente na ETAR juntamente com os resíduos de origem doméstica. Esse pré-tratamento deverá ser diferente conforme a origem dos resíduos e não podem ser directamente misturados com as águas de origem doméstica porque originaria um efluente muito difícil de tratar e consequentemente comprometer a eficiência das ETAR.

Crónicas do Noéme: Portanto está previsto que as unidades industriais encaminhem os seus resíduos para as ETARs domésticas mediante eventualmente o pagamento de taxas à semelhança do que acontece com os esgotos domésticos?
Prof. Ramiro Neves: Normalmente a rede de saneamento tem a chamada “licença de descarga”. Os resíduos domésticos são descarregados obrigatoriamente na ETAR e é também permitido às unidades industriais que encaminhem os seus resíduos para lá mediante certas condições, nomeadamente sobre a composição do efluente. O custo do saneamento é calculado por metro cúbico de esgoto e aparece na factura da água. Como é demasiado caro e financeiramente insustentável construir uma ETAR em cada fábrica e se o efluente não causar problemas se misturado com o efluente doméstico é encaminhado para lá. Cada autarquia decide que taxas aplicar.

Crónicas do Noéme: A legislação que existe é suficiente para proteger os nossos rios?
Prof. Ramiro Neves: É suficiente e é quase toda produzida nos gabinetes da União Europeia. Há uns ajustes aqui e ali mas sempre no sentido de acrescentar algo. A fiscalização existe mas por vezes é difícil produzir prova porque nem sempre os focos de poluição são permanentes. Outras vezes as leis não são cumpridas por falta de infra-estruturas físicas. Em Portugal há muitas ETARs construídas, existe boa legislação mas subsistem focos de poluição porque faltam colectores que liguem as fontes poluidoras às ETARs. O colector é por vezes a parte mais cara de todo o sistema.

Crónicas do Noéme: Um colector é uma canalização entre dois pontos: o poluidor e a ETAR?
Prof. Ramiro Neves: Exactamente. Um colector é uma rede de tubos que liga uma fonte de poluição a uma ETAR. Os colectores estão normalmente divididos em duas partes: o colector em alta e o colector em baixa. Exemplificando: existe uma rede de pequenos tubos que vão até às nossas casas. As nossas casas estão ligadas ao colector da nossa rua e posteriormente é ligado a um colector maior ainda. A distinção entre a rede em alta e a rede em baixa faz-se pelo caudal e não tem a ver com o tipo de efluente. O caudal está sempre a aumentar até chegar a uma ETAR. O sistema torna-se ainda mais complexo se houver vários locais dispersos. Os colectores em baixa são geralmente da responsabilidade das autarquias e os colectores em alta são da responsabilidade dos sistemas intermunicipais.

Crónicas do Noéme: As zonas industriais das cidades deviam ter ETAR própria?
Prof. Ramiro Neves: Se as redes tiverem sido bem feitas, a construção dos colectores foi planeada. O problema pode estar em fábricas isoladas onde seja muito difícil construir essa infra-estrutura. Nesses casos, deve existir uma bacia de retenção junto à unidade industrial onde são acumulados os efluentes produzidos e um sistema de transporte encarregue de os levar para a ETAR. Há semelhança do que fazia o carro da Câmara Municipal quando ia esvaziar as fossas sépticas domésticas.

Crónicas do Noéme: Mas nesses casos, é mais difícil ou é totalmente impossível tratar os efluentes?
Prof. Ramiro Neves: Às vezes pode ser impossível. É necessário calcular quantos metros cúbicos são produzidos por dia e saber o custo do transporte. Independentemente de tudo, não poderá nunca acontecer que produtos perigosos ou resíduos sejam descarregados directamente num rio.

Crónicas do Noéme: Um resíduo industrial pré-tratado pode ainda assim ser nocivo para o ambiente?
Prof. Ramiro Neves: Sim. Um sistema de tratamento de resíduos tem como finalidade a remoção do agente que é perigoso. Uma entidade qualquer torna-se poluente quando é descarregada numa quantidade tal que cause danos no meio receptor. Um pré-tratamento é uma “coisa” que pressupõe a existência de um tratamento a seguir. O pré-tratamento só seria solução se conseguisse reduzir a carga para um valor suficientemente baixo de modo que as concentrações das descargas no meio receptor não o pusessem em perigo. E se assim fosse não seria necessário transferi-lo para a ETAR. O tratamento aplicado deve ser o estritamente necessário e não ir para além dele.

Crónicas do Noéme: Não ir para além dele?...
Prof. Ramiro Neves: Há um conceito errado de quanto melhor for o tratamento melhor é para o ambiente: não é verdade. O próprio tratamento causa danos no ambiente. No mínimo em energia mas por vezes em produtos químicos também. Portanto cada entidade que trate química ou mecanicamente um efluente para além do necessário está a gastar energia (e consequentemente a emitir dióxido de carbono) ou a utilizar produtos químicos também eles nocivos ao meio ambiente. A arte está em conseguir o tratamento necessário e não mais do que isso.

Crónicas do Noéme: Como se atinge esse equilíbrio?
Prof. Ramiro Neves: A lei impõe limites à descarga. Por exemplo se impõe limites à descarga num determinado caudal e se o sistema for constituído por 10 fábricas o caudal descarregado no meio hídrico será o somatório do caudal produzido por cada uma das fábricas. A lei está bem intencionada mas nem sempre está correcta é preciso analisar caso a caso.

Crónicas do Noéme: Uma ETAR que funcione bem ainda repõe água poluída no meio hídrico?
Prof. Ramiro Neves: Não deveria. A água reposta não deve ter consequências no meio envolvente. O tratamento das ETARs retira três tipos de contaminantes: partículas (através do tratamento primário ou decantação), carga orgânica com bactérias (através do tratamento secundário e aqui a água já está transparente) e nutrientes minerais que se forem em excesso para o rio a cor da água passa a ser verde. O tratamento terciário é o mais caro. Descarregar num rio pequeno é muito diferente de descarregar num rio grande. Se o caudal do rio for pequeno é função da ETAR adaptar o seu caudal a esse rio para não haver problemas. A ETAR tem de conhecer o rio onde vai efectuar a descarga e fazê-lo em função dele. Uma ETAR que não funciona bem é apenas um tanque por onde passa o esgoto.

Crónicas do Noéme: Em termos técnicos como sabemos se o problema está resolvido?
Prof. Ramiro Neves: Temos de olhar para o meio receptor e verificar se há impactos negativos; se não houver então o tratamento é suficiente. Contudo poderia ser suficiente não cumprindo a lei ou não ser suficiente e cumprir a lei…

Crónicas do Noéme: Mas nesse caso torna-se complicado resolver este tipo de problemas… em Tribunal pode acontecer que os poluidores digam que cumprem a lei porque não excedem  os limites legais de descarga previsto. E no entanto os rios estão poluídos…
Prof. Ramiro Neves: Este ponto resolve-se com recurso à Directiva Quadro da Água. A directiva de tratamento das águas residuais urbanas impõe normas às descargas. A Directiva Quadro da Água olha para o meio receptor e verifica se está em bom estado. É considerado em bom estado se existirem lá as espécies biológicas características daquele local. É assim que se sabe qual o efeito das várias descargas no meio hídrico.

Crónicas do Noéme: E quando os rios já estão poluídos há tantos anos que já não há memória de quais são as espécies características?
Prof. Ramiro Neves: Nesse caso estamos a falar de águas fortemente modificadas e pode não se saber já quais eram as espécies que lá existiam ou mesmo sabendo, poderá ser impossível voltar atrás. A poluição pode causar efeitos irrecuperáveis.

Crónicas do Noéme: Então esses rios estão condenados a não ter mais vida?
Prof. Ramiro Neves: Não. São rios diferentes mas não são rios condenados. Uma coisa é o rio não ter as espécies, outra completamente diferente é a água não estar poluída. Temos de olhar para as propriedades físico-químicas da água (se está turva, se não tem oxigénio, se tem compostos que não deveria ter, se cheira mal…). Mesmo que as águas já não estejam poluídas, os peixes que lá existiram podem já não gostar daquele sítio por diversos motivos: porque o rio já não tem o revestimento de fundo que tinha ou porque a velocidade da água é diferente… A Directiva Quadro da Água olha para o problema nesta perspectiva e o que exige é que cada Estado Membro da UE deve trabalhar no sentido de restituir as condições existentes nos rios antes da intervenção humana.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Dia Mundial da Criança

Os adultos continuam a roubar um tesouro precioso às crianças da Guarda.